A
minha vida na escola agrícola de São Leopoldo – PATROPI
Luiz
Roberto Dalpiaz Rech
Cheguei à Escola
Agrícola em 1978, pelas mãos do meu tio, Valmor Dalpiaz, então aluno do último
semestre do Curso de agricultura.
No pavor do primeiro
dia, indaguei: - O que estou fazendo aqui? Pudera, com 15 anos, estava
enfrentando o afastamento de casa, os trotes dos veteranos, as precárias
condições da escola (não tinha chuveiro quente), a comida pouca e um mundo
totalmente estranho a ser descoberto.
Suportei a primeira
semana, a segunda e, na terceira, comecei a me ambientar, principalmente, com
um grupo de amigos simpático que se formou e que, até hoje, guardo na minha
lembrança.
A verdade é que,
cada acontecimento vivido na escola agrícola, se encontra registrado na minha
memória, com forma, cor e emoção. Recordo os bons momentos, quando fiz parte de
algumas gestões no Grêmio Estudantil (uma verdadeira escola de líderes e que
projetou muitos alunos mundo a fora).
A melhor gestão foi
a do Paulo Fernando da Rosa, um líder que apareceu na escola e que, em pouco
tempo, pode mostrar toda a sua capacidade. Na sua gestão, em 1980, atuei como
Diretor de Imprensa e Divulgação, quando lançamos o Boletim Informativo do
Cecal. Ajudei a organizar o Concurso Miss Simpatia, promovemos vários eventos,
iniciamos e concluímos a quadra de esportes, a obra do prédio do Grêmio, o
“Galpão Crioulo Índio Sepé” e o Grupo de Danças do nosso CTG “Gaudérios da
Cultura”, que fazia sucesso com suas apresentações dentro e fora do município
de São Leopoldo.
Tempos difíceis,
lembro que na ocasião da realização do Concurso Mis Simpatia, sendo eu o
apresentador, não tinha um par de sapatos para usar. Morava com o Daniel Fantin
e Alcir Brustolin, ambos de Muçum, num quarto escuro úmido (no inverno parecia
a Sibéria!), no porão da Dona Olga, mãe do senhor Albano, cozinheiro da escola.
Então me lembrei que
o Brustolin guardava seus sapatos a “sete chaves”. Como ele estava fora,
resolvi “assaltá-lo” (a mão desarmada, é claro!), pegando-os do armário onde
ele os guardava. Quando eu estava quase chegando ao local da apresentação, ele
me viu e não deu outra: fez um escândalo babilônico e quase teve um treco (como
se dizia na época).
Mas, coração de gringo e coração de mãe não tem
diferença: ao ver que era para uma boa causa social – afinal a bela Miss fazia
jus à vitória! – ele não me mandou para a cadeia. Este fato, porém, serve para
mostrar que as dificuldades dos alunos eram muitas. Seguidamente um emprestava
a outro sua toalha, alguma roupa, sabonete e até pasta de dente. Meu colega
Antônio Cetolim cansou de emprestar seus chinelos e tê-los de volta...
arrebentados! Hoje é prefeito de Garibaldi pela terceira vez. O que prova a
eficácia política dos chinelos!
São tantas cenas
agradáveis de lembrar... Um dos mais marcantes aconteceu na Feitoria durante um
jogo de futebol. O colega Batistella foi abordado por um sujeito com fama de
bandido chamado de “Chocolate”, que lhe pediu fogo para acender o cigarro.
Batistella com atenção no jogo se fez de surdo. O maleva, então, magoou, e para
demonstrar isso ao público, baixou imediatamente um “três listras” (facão) no
lombo do sem ouvido! Meno male que o outro ainda conseguiu evitar alguns
pranchaços, dizendo aos pulos:
- Escuita aqui, ô
meu, onde tá o diabo do respeito?!”
A turma que assistiu
o episódio afirmou que o facão era da marca Tramontina, e que ela ficou gravada
no lombo do único cuera do Colégio Agrícola que enfrentou o terrível bandido da
feitoria! Provavelmente está até hoje... Zilmar Batistella atualmente é
empresário bem sucedido em Butiá, RS. O que prova, mais uma vez, que umas boas
lambadas podem por alguém no caminho do sucesso!
De qualquer modo,
ele já demonstrava que seria empreendedor.
Uma vez conseguiu me vender uma camisa velha cheirando a sovacos, usada
para amarrar sua cama, que rangia durante a noite na sua luta de cinco dedos...
Muitos fatos marcaram a nossa passagem na
escola. Sei que não é o propósito deste livro, mas não tem como fazer um relato
íntegro sem lembrar os mais destacados deles... Lembro de um aluno de São
Nicolau, que o colega Eliziário Toledo, sempre que lhe enxergava, dizia: -
Tchê, tu é mais feio que briga de foice no escuro! Mais feio que tu só dois tu!
Notaram que evito
neste depoimento, dizer os apelidos pelos quais éramos conhecidos na escola.
Mas o meu era... bem, prometi não dar os apelidos. Pois bem. Certa vez numa
excursão da escola, lá estava ele, o próprio, abocanhando tudo o que encontrava
pela frente: laranja, pão, queijo, o mundo! Ocorreu, porém, no momento em que –
imitando uma jibóia - tentava engolir um pedaço enorme de mortadela, a
dentadura postiça desceu junto, ficando entalada na garganta.
A gargalhada foi
geral, mas, diante do quadro de dor do colega, decidiu-se fazer alguma coisa.
Uma bordoada de lutador de boxe certeira, dada não sei por quem, bem no meio
das costas da jibóia, ops, quero dizer, do colega, fez com que a dentadura
saltasse a quase três metros de distância, e, ao pegá-la, a teimosa ainda
tentava devorar a pobre mortadela, que já estava morta... por medo dela! Depois
deu um leve sopro para tirar a sujeira e pronto, colocou-a no lugar.
Em outra excursão a
Capão da Canoa, com a professora Sirlei Souza e alunos de diversas turmas,
estava um colega natural de Santa Catarina. Para esse vou quebrar minha
promessa de não dar o apelido: chamavam-no simplesmente de Bunda! Sofria para
tirar notas boas nas provas e quando tirava três, de tão feliz, soltava rojões
e enfeitava o pátio com bandeirinhas!
Chegando à praia, ele logo saltitou para a água,
segurando o calção com as duas mãos para não cair. Veio a primeira onda,
enorme, e ele não se conteve: surfista improvisado, se atirou com tudo e
ninguém viu mais nada no meio da tromba d’água. Quando tudo acalmou, só o que
apareceu foi o calção azul celeste boiando para longe da praia, mas e o Bunda?,
gritou a professora Sirlei, habituada aos apelidos exóticos dos seu alunos.
Quando corríamos para procurá-lo, ele aparece de repente, gesticulando quase na
rebentação, soltando água pela boca e nariz, berrando: - Cadê o meu carção? O
meu carção pelo amor de Deus! Não teve jeito: teve que sair de lá como Adão
veio ao mundo... A turma se entortava de rir, e a mestra também, ao ver o Bunda
de bunda de fora.
Falar dos tempos de
escola agrícola e não mencionar as “gringas” pode até soar como descaso àqueles
que tiveram a oportunidade de iniciar a vida sexual com elas. Estratégias eram
usadas por alguns alunos, com o propósito de atrair as gringas, altas horas da
noite. Pelo menos, em uma delas, comprovou-se o real motivo, até porque, este
foi relatado por um dos dois envolvidos. Participavam de um baile na Feitoria
Velha, a madrugada chegava e nada. Resolveram voltar para a escola. Um deles,
porém, não se conteve e convidou o outro para fazer uma boa ação: chegar nas
gringas. Dito e feito. Já no local do desejo, um deles, o mais carente, tirou
do bolso a caixa de fósforos com todo o dinheiro do semestre e se grudou no
“osso” (a gringa) que nem carrapicho em calça de lã. Ela, claro, pareceu
gostar, e, ao ver a caixinha, passou a pegar palitos e mascar a pólvora, só que
dinheiro vinha grudado. O bobo quando percebeu a astúcia, começou a gritar,
desesperado, mas sem largar o “osso”.
Dizem que os gritos
chegaram lá para as bandas da casa onde residia o professor Casinha, perto da
horta, e que os mesmos foram diminuindo, diminuindo e só silenciaram quando ele
soltou o “osso”: estava mais pobre que São Francisco de Assis!
Não tenho dúvidas
que essas lembranças dariam um livro muito extenso ou vários livros. Relato
alguns para mostrar apenas como era no meu tempo a vida na escola agrícola. Não
há como esquecer o colega Arli da Silva, de Osório, que foi Patrão do CTG
“Gaudérios da Cultura”. Certa oportunidade, na EXPOINTER, ele, acompanhado dos
alunos da sua turma, assistiam ao leilão de um novilho.
Sem um tostão no
bolso, mas disposto a se exibir, ele resolve dar um lance: a última oferta
beirava em quinhentos (sei lá o quê) quando, de repente, ergue o braço, incha o
peito e berra para todos ouvirem: - Dou seiscentos!... - É uma... é duas... é
do doutor da boina escura! Como não houve mais lance, se apavorou e sem saber o
que fazer, pensou depressa e saiu-se com esta: - O que eu disse foi: Não sei se
sento... ou fico em pé, e não seiscentos! Em seguida sumiu no meio da multidão
com os colegas que temiam pelo pior.
Lá na escola
agrícola comecei a escrever poesia tradicionalista, que, por sinal foi tema do
meu primeiro livro. Também fazia versos rimados em cima de fatos pitorescos
envolvendo colegas que depois, ao serem lidos, eram motivos de fragorosas
gargalhadas. Nos finais de semana, para arranjar algum dinheiro, trabalhava em
capinas de pátios, roças e reformas de jardins com o professor Casagrande,
muitas vezes com grande cansaço e sofrendo lesões (a cicatriz em um dos dedos
da mão direita que o diga). Às vezes
realizava trabalhos voluntários com um grupo de estudantes de nutrição da
Unisinos, ensinando famílias da periferia da cidade de São Leopoldo a fazerem
pequenas hortas.
Trago, também, uma
frustração: não pude concorrer a presidente do Centro dos Estudantes em 1981,
substituindo Paulo Fernando da Rosa. À época, a direção da escola invocou
normas do Regimento Interno para me impedir. Decidimos, mesmo assim, eu os
membros da chapa, a enfrentarmos o obstáculo, quando o professor Raul
Casagrande, pai da colega Sabine Casagrande, da nossa chapa, pediu que eu
desistisse sugerindo o nome de João Clóvis Lorenzi, de Espumoso.
Então fui cuidar da
festa de formatura, realizada no final do ano de 1981, com a honra de ter sido
o orador das três turmas (Agricultura, Pecuária e Florestal). Sai da escola e
fui fazer estágio na Maderzori, em São Francisco de Paula, tendo como supervisor,
o ex-aluno Roberto Poletto. Trabalhei, ainda, por cinco anos, na Florestal
Guaíba. Em 1987 ingressei na Assembléia Legislativa onde permaneci por 23 anos.
Hoje, sou servidor da SEAPA, cedido para a Câmara Federal.
E vá a gente dormir
com um barulho deste!